“O corpo com deficiência está neste lugar, neste vazio que fica uma casa que teve seu dono despejado e posto como espectador da própria história. Assisti minha história sendo narrada por verbos de outros, construí verdades na rua, vendo a minha casa-corpo se construir com tijolos que os outros jogavam nela sem poder dar um pitaco, sem poder escolher sequer se iria ter janelas ou não…” (Victor di Marco).
Começo este beta-papo trazendo uma bela passagem do livro “CAPACITISMO OU MITO DA CAPACIDADE” de Victor di Marco*. Foi um “soco no estômago” quando devorei seu livro. Como nós que nos julgamos sem deficiência nós achamos nós direito de metrificar a régua da vida do outro.
Mas, para entendermos melhor o rumo desta conversa, vou falar um pouco de mim, primeiro. Dentre outros fazeres, sou professora apaixonada pela educação e o universo escolar. E, sempre me incomodou os lugares invisíveis que estudantes com deficiência, algumas vezes, ou quase sempre, ocupam no ambiente escolar. Quer seja porque a própria família já o definiu como incapaz ou definiu o limite da sua capacidade; quer seja pelo staff escolar que julga “entender” o espaço que aquele estudante consegue ocupar.
Importante esclarecer também que todas as falas aqui são reflexivas e longe de serem chumbadas pela verdade única, se é que ela existe. O intuito é refletir sobre nossa postura. Será que na minha sala de aula, no meu planejamento, eu contemplo os horizontes de todos os meus alunos? Será que ao criar estratégias de ensino-aprendizagem, eu me dispo de (pre)conceitos e oportunizo a todos uma aprendizagem ativa, tentando, verdadeiramente, remover as barreiras entre quem aprende o que que se aprende?
Retornando, ao tema, o que é Capacitismo? Em poucas palavras, podemos dizer que Capacitismo é o achismo de acreditar saber mais do outro do que ele próprio. É determinar de antemão que aquela pessoa não tem capacidade de se desenvolver plenamente como cidadão, em decorrência de uma condição física ou cognitiva que impõe a busca por novos suportes.
Todos nós somos diferentes, todos nós temos, em algum nível, alguma deficiência. Contudo, talvez por não conseguirmos encontrar suporte para todas as situações, criamos stickers como marcadores, que sinalizam diferenças standard e não standard. Para assim, nos sentirmos mais confortáveis nesse caminho da Inclusão.
Mas, sentir-se confortável não resolve. Nesse caso, precisamos nos deixar “incomodar” e ir ao encontro do dono daquele corpo de que fala di Marco, para saber do que ele precisa para desenvolver suas competências e habilidades. Pois, só entendendo as necessidades, poderemos encontrar os suportes necessários para auxiliar aquele estudante no seu processo de aprendizagem.
Não é fácil este movimento. Entretanto, é necessário. Entender a realidade da escola, do aluno, da família e do professor é que nos garante ter um ambiente educacional onde as barreiras são retiradas para que TODOS possam ter igualdade de oportunidades.
Por isso, a importância de formação e informação correta sobre “deficiências”, “transtornos” e “doenças raras”. Ter propriedade sobre o assunto para que se possa compor uma agenda educacional para TODOS.
Não tem problemas em não se saber todas respostas. Acredito mesmo que isto não é possível. O problema está em não se buscar as respostas quando as perguntas vêm. O espaço escolar é construído por perguntas, e o melhor é saber que podem existir várias respostas certas, de acordo com os parâmetros que são utilizados. E, está tudo bem em ser assim.
Como educadores podemos definir quais as melhores estratégias para a aprendizagem. Porém, não podemos LIMITAR as formas de aquisição de conhecimento, pois estas são diversas, dinâmicas e, às vezes, ainda desconhecidas. Daí a importância de olhar para aquele aluno com deficiência e, humildemente, nos colocarmos na posição de quem olha não de quem é. Assim, nunca correremos o risco de sermos CAPACITISTAS.
Quando a Escola, e entenda-se por escola todas as suas personagens: mantenedores, direção, coordenação, funcionários, professores, alunos, família e comunidade, cria limitações para o acesso de um EcD**, ela deixa de ser Eficiente e passa a exercer seu papel de maneira Deficiente. É no universo educacional que as diferenças precisam dialogar de forma mais harmoniosa, auxiliando na construção de pessoas empáticas, que saibam transitar por diferentes espaços, conhecidos ou desconhecidos, guiadas pela lanterna da alteridade.
Uma Escola CAPACITISTA desenha suas estruturas físicas, filosóficas e pedagógicas numa caixinha hermética, à prova de qualquer mudança. Seu olhar é monocromático e, sem se dar conta, começa a se autolimitar, deixando de ser Eficiente.
Escola por sua própria natureza não combina com está atmosfera pesada do LIMITAR. Ela se reinventa a cada instante, caminhando no mesmo compasso da beleza da vida, que nos faz únicos e singulares em nossas características e necessidades.
*MARCO, Victor Di. Capacitismo: o mito da capacidade. Letramento. Belo Horizonte/MG, 2020.
**EcD: Estudante com Deficiência.